quarta-feira, 24 de março de 2010

Escravidão de imigrantes é flagrada em oficina ligada à Marisa

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Etapas do processo desde o aliciamento até as lojas do magazine foram apuradas pela Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de São Paulo (SRTE-SP), que aplicou 43 autos de infração, com passivo total de R$ 633,6 mil

Maurício Hashizume*




A ligação entre o trabalho escravo de imigrantes sul-americanos e a Marisa, uma das maiores redes varejistas do país, foi atestada por um novo rastreamento de cadeia produtiva do setor de confecções.

Etapas do processo que se inicia no aliciamento e termina nas lojas do grande magazine foram apuradas pela Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de São Paulo (SRTE-SP), que responsabiliza a Marisa em 43 autos de infração, com passivos da ordem de R$ 633,6 mil - dos quais R$ 394 mil se referem à sonegação do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Os auditores exigem também que a empresa faça o registro dos envolvidos, promova a rescisão indireta e pague os direitos correspondentes.

O ponto de partida foi uma operação fiscal da SRTE-SP realizada no último dia 18 de fevereiro, que inspecionou todas as instalações de uma pequena oficina de costura registrada como Indústria de Comércio e Roupas CSV Ltda., em nome do boliviano Valboa Febrero Gusmán.

No sobrado da Igreja "Boas Novas de Alegria" localizado na Vila Nova Cachoeirinha, Zona Norte da capital paulista, a fiscalização encontrou 16 pessoas de nacionalidade boliviana (uma delas com menos de 18 anos) e um jovem peruano trabalhando em condições análogas à escravidão na fabricação de peças de vestuário feminino para a Marisa, que se apresenta como "a maior rede de lojas femininas do país".

De acordo com o site da empresa, são "mais de 220 lojas espalhadas por todas as regiões do país"; "mais de 90 milhões de peças vendidas" e "mais de 44 milhões de clientes" frequentam as unidades da rede por ano.

Nenhum dos trabalhadores que pilotavam as máquinas de costura tinha Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) assinada. Todos manejavam peças de um lote da Marisa. A etiquetagem com a marca (veja foto ao lado) era inclusive feita no local.

Foram apreendidos cadernos com anotações que remetem diretamente a cobranças ilegais de passagens da Bolívia para o Brasil, a "taxas" não permitidas de despesas designadas com termos como "fronteira" e "documentos" - o que, segundo a fiscalização, consiste em "fortes indícios de tráfico de pessoas" -, ao endividamento por meio de vales e a descontos indevidos nos salários. Há registros de "salários" de R$ 202 e de R$ 247, menos da metade do salário mínimo (R$ 510) e menos de um terço do piso da categoria (R$ 766).

Vários problemas graves no campo de saúde e segurança do trabalho também foram detectados. As instalações elétricas estavam completamente irregulares. Os extintores, com a carga vencida, ficavam ao lado de tecidos amontoados, com alto risco de incêndio, Cadeiras não respeitavam padrões mínimos de qualidade. Uma criança, filha de uma das operárias, estava exposta a acidentes com o maquinário.

As jornadas de trabalho começavam às 7h e chegavam a se estender até às 21h. Nos sábados, o turno transcorria das 7h às 12h, com o restante do fim de semana livre, conforme depoimentos colhidos pela Repórter Brasil, que acompanhou a fiscalização in loco. As refeições eram feitas de modo improvisado nos fundos do mesmo cortiço que abrigava a oficina. O irmão do dono da CSV permanecia todo o tempo junto com os trabalhadores e atuava como um vigia permanente dos imigrantes.

Os alojamentos também não seguiam normas básicas. Em apenas um cômodo mal iluminado nos fundos de um dos imóveis, construído para ser uma cozinha (veja foto abaixo), sete pessoas dormiam em três beliches e uma cama avulsa. Infiltrações, umidade excessiva, falta de circulação de ar, mau cheiro e banheiros precários completavam o cenário de incorreções. Não havia separação adequada das diversas famílias alojadas na mesma construção.

"A fiscalização se comprometeu, ao lançar a iniciativa do Pacto Municipal Tripartite contra a Fraude e a Precarização, e pelo Trabalho e Emprego Decentes em São Paulo, a intensificar as ações nesse setor da economia", coloca o auditor Renato Bignami, que atuou no caso. "Não há distinção de qualquer natureza no sentido de privilegiar determinada empresa em detrimento de outra. Mas tendo em vista nossa escassez de recursos, a SRTE/SP busca priorizar as principais empresas beneficiárias dessa situação, fiscalizando-as e buscando fazer com que cumpram a legislação de proteção ao trabalho".

Na avaliação da médica e auditora fiscal Teresinha Aparecida Dias Ramos, que também fez parte da comitiva e checou até a receita médica de uma das trabalhadoras com doença de pele, as vítimas do trabalho escravo na oficina de costura CSV estavam expostas a distúrbios respiratórios, problemas ergonômicos, e justamente a enfermidades dermatológicas, além das condições psicossociais indesejáveis, por causa do medo constante.

Cadeia produtiva

Quando chegaram à CSV, os auditores encontraram um representante da trinca de empresas Dranys Confecções Ltda., Elle Sete Confecções Ltda. e Gerson Cesar de Almeida Confecções ME. A Dranys tem loja própria e é a marca mais comercial. A Elle Sete compra os tecidos, faz o primeiro corte e dispõe de um cadastro de subcontratadas que executam a parte mais substantiva de costura das peças. A Gerson de Almeida presta serviços de acabamento, passadoria, revisão, arremate e controle de qualidade. Na prática, contudo, as três atuam de modo tão combinado que é muito difícil dissociar os limites precisos entre uma e outra.

O emissário era registrado da Gerson de Almeida, mas utilizava veículo utilitário da Dranys para, segundo ele, monitorar o trabalho prestado e retirar lotes já concluídos. Aos auditores fiscais do trabalho, ele apresentou nota fiscal emitida em nome da Elle Sete à CSV. Declarou ainda que buscava documento de auditoria do Programa de Responsabilidade Social, executado pela consultoria Bureau Veritas por encomenda para as Lojas Marisa.

Depois das etapas sob responsabilidade da Dranys/Gerson de Almeida/Elle Sete, as peças seriam submetidas à avaliação do magazine. Somente mediante aprovação, a mercadoria seguiria para o Centro de Distribuição Marisa, em Alphaville, Barueri (SP), de onde partiria para as várias lojas da rede pelo país.

No dia 22 de fevereiro, a fiscalização fez inspeções na Dranys (onde foram apreendidos 21 contratos de prestação de serviços de costura firmados com diversos donos de oficinas de costura bolivianos), na Elle Sete (onde tiveram acesso a notas fiscais que revelam o fluxo das peças encomendadas pela Marisa e entrevistaram o operário do setor de modelagem Gerson de Almeida, que declarou desconhecer as atividades da trinca de pessoas jurídicas e aparentemente era utilizado como "laranja") e na Gerson de Almeida (onde encontraram um dos sócios da Dranys e o próprio Valboa).

Nas dependências da Gerson de Almeida, as condições de trabalho também não respeitavam as normativas. Passadeiras trabalhavam em pé, por longos períodos, em local fechado, bagunçado, sujo e sob altas temperaturas. Na mesma empresa, auditores coletaram informações com um representante comercial que atua na intermediação entre a tríade formada por Dranys/ Elle Sete/Gerson de Almeida e a Marisa. Ele descreveu com detalhes os canais de definição e controle da produção das peças pela rede varejista ao longo do ano.

Além disso, apreenderam desenhos de peças, mensagens eletrônicas com instruções expressas da Marisa e relatório de controle de recusas de peças confeccionadas pela Dranys para a Marisa. Um dos lotes foi reprovado pela Marisa por causa de problemas na costura e no zíper. Todas essas constatações, no entender da fiscalização, comprovam a total ingerência da Marisa no que se refere aos outros elos da cadeia produtiva.

Os auditores fiscais se deslocaram, em 1º de março, para a sede da Marisa e colheram um conjunto de informações que reforçam o diagnóstico do vínculo existente entre a empresa e todas suas "fornecedoras", vínculo esse que passa pela especificação das peças até a definição dos preços.

Para quantificar o grau de dependência entre as partes, a SRTE-SP apurou que 94,5% do faturamento da Dranys, no período de janeiro de 2009 a fevereiro de 2010, foram obtidos em encomendas da Marisa.

"Após toda a análise dos locais de trabalho, das entrevistas realizadas e dos documentos auditados, concluímos tratar-se de uma rede de empresas a fundamentar a subordinação reticular", definem os autores do relatório de fiscalização. A GSV, segundo a SRTE/SP, "presta serviços de costura, com mão de obra escrava, com total exclusividade para a empresa Marisa Lojas S.A".

Para a equipe fiscal, a Marisa é "inteiramente responsável pela situação encontrada" e "comanda e exerce seu poder de direção e ingerência de diversas formas sempre no sentido de adequar a produção de peças de vestuário à sua demanda, com exclusividade, a seu preço e à sua clientela".

Durante a fiscalização, Valboa confidenciou à reportagem que buscava "vales" (com metade do valor final das encomendas) junto às empresas intermediárias, antes mesmo de terminar o serviço, para poder pagar aluguel e comida. Esses adiantamentos confirmam a falta de autonomia financeira do dono da oficina para manter negócio próprio.

Caracterizadas como "pseudoempresas interpostas" pela fiscalização, as fornecedoras Dranys/Gerson de Almeida/Elle Sete funcionam, na visão dos auditores, "como verdadeiras células de produção da empresa Marisa Lojas S/A, todas interligadas em rede por contratos simulando de prestação de serviço, mas que, na realidade, encobertam nítida relação de emprego entre todos os obreiros das empresas interpostas e a empresa autuada".

O relatório chama atenção para o nível de dependência da rede varejista à sua "marca própria": 88% dos produtos vendidos são da marca própria "Marisa". O elevado nível de participação exige, de acordo com a SRTE/SP, forte gestão de fornecedores - em termos de definição de peças, qualidade, logística e preço.

Sonho e partilha

A reportagem conversou com alguns dos trabalhadores que costuravam na oficina CSV. A maioria dos bolivianos vinha de El Alto, no altiplano andino, cidade com cerca de 1 milhão de habitantes, vizinha à capital La Paz, marcada por ser ponto de convergência de migrantes camponeses e indígenas. Eles dizem ter sido atraídos pelos relatos de parentes que migraram anteriormente para o Brasil e têm receio de fornecer qualquer tipo de informação sobre como entraram no país e de como vivem atualmente. O único peruano declarou ser de Cusco e sequer portava o visto temporário concedido pela Polícia Federal.

A maior parte deles cultiva o sonho de retonar em melhores condições à terra natal. Formado em Educação Física, um dos jovens jurou um dia voltar para dar aulas aos pequenos e pequenas de sua comunidade. Um dos mais velhos na oficina de Valboa disse que está no Brasil há três anos, pensa sempre em rever a família na Bolívia, mas nunca conseguiu materializar o seu intento. "Mas este ano eu voltarei", declarou, esperançoso.

Em depoimentos à reportagem (vigiados de perto pelo irmão do dono da oficina de costura), disseram receber receber de R$ 500 até R$ 700 por mês, em períodos de maior intensidade do trabalho. Segundo eles, com o que recebem, é possível, pelo menos em alguns meses ao longo do ano, enviar remessas de US$ 100 para parentes na Bolívia.

Registros dos cadernos apreendidos ajudam a desvendar, porém, os reais beneficiários do empenho dos imigrantes sul-americanos. Anotações mostram que Valboa chegara a pagar, em empreitada recente, míseros R$ 1,33 por peça aos trabalhadores de sua oficina. Para o lote da Marisa/Dranys/Gerson de Almeida/Elle Sete, os costureiros e costureiras declararam que receberiam cerca de R$ 2 por blusa.

Em depoimento, Valboa, dono da CSV, declarou que receberia das intermediárias Dranys/Gerson de Almeida/Elle Sete efetivamente R$ 4 por cada peça costurada. A nota fiscal emitida pela Elle Sete apresenta, porém, o valor de R$ 7 por blusa costurada. Deduz-se, por conseguinte, que essa diferença de R$ 3 por peça entre o que aparece na nota e o que seria pago à oficina de costura era embolsada pelas intermediárias.
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As "fornecedoras", por sua vez, receberiam, conforme outra nota apreendida, R$ 21 por peça da Marisa. Durante a inspeção dos auditores à sede da Gerson de Almeida, no bairro do Bom Retiro, as mesmas blusas estavam recebendo etiquetas com o preço final ao consumidor de R$ 49,99.

Grosso modo, os R$ 49,99 que porventura vierem a ser pagos por uma cliente da Marisa estão assim repartidos: R$ 2 para o trabalhador (4%), R$ 2 para o dono da oficina (4%), R$ 17 para os intermediários (34%) e R$ 28,99 (58%) com a Marisa.

Questionada pela reportagem, a Marisa afirma que, inicialmente, o preço indicado nas etiquetas não é necessariamente o preço final de venda, podendo a peça ser vendida a preços inferiores devido a diversas circunstâncias de mercado (giro de produtos, aceitação do consumidor, mudança de estação, etc). "Em segundo lugar, os preços praticados pelos fornecedores diretos da Marisa junto aos demais elos da cadeia produtiva escapam a qualquer ingerência de sua parte. Por fim, vale observar que o custo com a mão de obra (distribuído nos diversos elos da cadeia) é apenas um dos vários componentes formadores do custo final (tributos, marketing, modelagem, distribuição, matéria prima etc.)", complementa a rede varejista, por meio de advogado.

Notificações e dificuldades

A SRTE/SP notificou a Marisa a proceder o registro imediato dos 17 trabalhadores e trabalhadoras encontrados na oficina de costura CSV, efeturar a rescisão indireta e pagar as verbas rescisórias, na presença dos auditores fiscais responsáveis pela ação, no próximo dia 5 de abril 2010.

"Faremos a assistência a essa rescisão. Se não houver, na ocasião, a apresentação de todos os documentos que propiciem a conferência dos cálculos e a completa quitação dos valores rescisórios, a empresa será notificada a apresentar rescisão complementar e fazer o pagamento suplementar, tantas vezes quantas forem necesárias para a conferência e quitação", afirma Luís Alexandre, da SRTE-SP, que também atuou no caso.

A Marisa foi avisada do envio do relatório da fiscalização à Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego (SIT/MTE), bem como aos demais órgãos, como a Polícia Federal (PF), para apuração dos indícios de tráfico de pessoas, às Receitas Federal e Estadual, em virtude de sonegação de tributos, e a representantes do Ministério Público do Trabalho (MPT) e do Ministério Público Federal (MPF).

O auditor Renato Bignami enumera uma série de motivos pelos quais a equipe optou por não promover o resgate dos trabalhadores, como ocorre nas libertações de condições análogas à escravidão no meio rural promovidas pelo grupo móvel de fiscalização.

Primeiro, os nacionais dos países que fazem parte do Mercosul (Argentina, Uruguai e Paraguai), Bolívia e Chile, por força do Decreto n. 6975, de outubro de 2009, têm direito a permanecer provisoriamente no Brasil. Neste caso, o único impedimento para a concessão do visto de dois anos é a existência de antecedentes penais ou policiais. Sendo assim, o resgate com consequente reenvio de bolivianos estaria descartado.

Segundo, muitos dos trabalhadores da oficina CSV vivem no Brasil acompanhados de suas famílias (com esposas e filhos, que não raro frequentam escolas e já foram alfabetizados em Português), diferentemente dos libertados das fazendas brasileiras mantêm famílias em suas cidades de origem. O reenvio desses sul-americanos aos países de origem poderia causar "um trauma maior", na visão de Renato.

Terceiro, esses trabalhadores têm pertences pessoais como eletrodomésticos, roupas, móveis etc. O transporte desses bens para os países de origem seria inviável. E quarto, não há estrutura pública de abrigo provisório que pudesse acolher essas famílias caso houvesse de fato o resgate.

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Renato ressalta que não existem procedimentos definidos para o resgate em ambiente urbano, específico para trabalhadores estrangeiros. Faltam ainda dados confiáveis a respeito desses trabalhadores (onde estão? quantos são? para quem trabalham? quem os trouxe? como vieram?).





O auditor pede uma articulação mais efetiva dos órgãos públicos em torno da questão e destaca os problemas da falta de confiança nos agentes do poder público ("pacto de silêncio") e da baixa conscientização do consumidor brasileiro.

Acordo e posição

Pressionada por denúncias anteriores, a Marisa - assim como as outros magazines do setor - já tinha assinado um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público do Trabalho (MPT) em 2007. No documento proposto pela Procuradoria Regional do Trabalho da 2a Região (PRT-2), a rede varejista se compromete a tomar providências (por meio de advertências no site, cláusulas em contratos comerciais e de visitas periódicas a fornecedores) no sentido de evitar ligações com oficinas com trabalho ilegal.

Em resposta à Repórter Brasil, a Marisa insiste que "não mantém e nunca manteve vínculos com trabalhadores estrangeiros em situação de vulnerabilidade ou trabalhadores contratados com condições de irregularidade" e que "a situação detectada pelos auditores não é de responsabilidade direta ou indireta da Marisa".

"É importante registrar que a Marisa cumpre rigorosamente o TAC celebrado com o Ministério Público do Trabalho", completa o advogado José Luis Oliveira Lima, que respondeu em nome da empresa. "Pelo TAC, a Marisa não ficou responsável pela cadeia produtiva, mas sim pelos fornecedores devidamente credenciados, e não há no relatório de inspeção nenhuma constatação de trabalho [escravo] nesses fornecedores".

Segundo o advogado, a Marisa foi "além no cumprimento do TAC" e "solicitou auditoria não apenas nos seus fornecedores credenciados, mas também nos fornecedores destes". A empresa não esclarece, porém, nem quais são os critérios adotados e nem se as subcontratadas da Dranys/Gerson de Almeida/Elle Sete, caso da CSV, foram em algum momento auditadas.

A empresa, que alega ter investido cerca de R$ 30 milhões nos últimos três anos em responsabilidade social, sustenta que não existe conivência ou incentivo à subcontratação. "Cada contratado se organiza segundo critérios próprios, inerentes a particularidade de cada segmento. A Marisa não tem acesso ou ingerência à estrutura de custo de seus fornecedores", acrescenta a rede varejista, que nega ter controle do conjunto do processo produtivo, como afirmam os auditores fiscais.

Por iniciativa da Associação Brasileira do Varejo Têxtil (Abeim) - que engloba outras redes como C&A, Riachuelo e Renner -, a Marisa anuncia que a implantação de um novo modelo de certificação voluntária para combater condições degradantes de trabalho já está em fase avançada de negociações.

"A Marisa, sempre com o intuito de aperfeiçoar o seu controle aos fornecedores, encampou a iniciativa da Abeim. Esse sistema vem sendo desenvolvido desde agosto de 2009, sendo um processo complexo que envolve várias empresas do mercado, inclusive, empresas certificadoras", adianta. A grande novidade, confirma o advogado, é a união de forças com a finalidade de aumentar o controle no setor. "O modelo proposto visa atingir a cadeia produtiva numa maior profundidade, considerando sua enorme pulverização".

Para a Marisa, "o mercado não pode prescindir de ações de fiscalização conjunta envolvendo os aparatos de fiscalização dos fiscos Federal e Estaduais", com a finalidade de alcançar "todos os atores econômicos pelos quais se encontra pulverizada a cadeia produtiva do setor".

Pacto e mercado

As posições apresentadas pela Marisa não convenem Eunice Cabral, presidente do Sindicato das Costureiras de São Paulo e Osasco. Segundo ela, os grandes magazines têm responsabilidade e "querem se omitir". "Não estamos falando de lojinhas de fundo de quintal", emenda a dirigente. A denúncia que suscitou a fiscalização doi encaminhada pela entidade de Eunice.

O próprio preço praticado pelas redes varejistas, na análise da sindicalista, não reflete os custos de produção e embute a conivência com a precariedade negada pela Marisa. "É impossível comercializar produtos a preços tão baixos cumprindo tudo o que a lei determina. Isso é concorrência desleal", prossegue. "Quem faz tudo direitinho acaba sendo prejudicado".

O número de costureiras na região caiu de 180 mil, na década de 1990, para cerca de 80 mil, em 2006. Como a demanda do setor de confecções aumentou durante esse mesmo período, a situação flagrada na oficina de costura CSV seria, para Eunice, um dos principais motivos para a redução drásticas de empregos formais no setor. "O Brasil é grande e estamos de portas abertas para receber gente de outros países. Mas as leis precisam ser cumpridas e todos precisam ser tratados com dignidade", conclui.

Os auditores fiscais responsáveis pelo caso reconhecem que, diante do emaranhado de pessoas jurídicas intermediárias resultantes da subcontratação (terceirização, quarteirização, quinteirização etc.), a empresa tomadora principal acaba perdendo o controle da mão de obra que está "na ponta". "Mas no caso específico da Marisa, o que se verificou foi a simulação de contrato de fornecimento, sendo que a empresa mantém a ingerência sobre todos processos que envolvem a produção", reitera Luís Alexandre.

"Não existe, ainda, um diploma legal que discipline de maneira adequada e suficiente a terceirização de serviços, deixando essa questão inteiramente para o mercado - leia-se, a ´lei do mais forte´", complementa o auditor.

Os integrantes do Grupo de Combate à Fraude nas Relações de Trabalho e à Terceirização Irregular da SRTE/SP avaliam que a Lei de Anistia Migratória, ao facilitar a concessão de vistos provisórios durante o segundo semestre do ano passado, criou um ambiente favorável à regularização, inclusive do ponto de vista trabalhista. No entendimento deles, o empoderamento dos imigrantes (com a conscientização sobre direitos, a qualificação profissional e a eliminação de aliciadorees que atuam no tráfico de pessoas) é essencial.

Ainda nesse sentido, a SRTE/SP recomenda, por parte das empresa, o cumprimento integral do disposto no Anexo I do Pacto Contra a Precarização e Pelo Emprego e Trabalho Decentes em São Paulo - Setor das Confecções. "Uma parte importante do empresariado ainda não aderiu", conta Renato.

A Marisa e outras redes magazines da Abeim foram convidadas a aderir ao Pacto Municipal Tripartite, mas declinaram. Aos auditores, a Marisa declarou entender que, por já possuir um TAC firmado com o MPT, não lhe competia ir além dos estritamente acordado nesse âmbito. Já o advogado da empresa declara que as negociações envolveram entidades associativas (e não empresas individualmente consideradas) e a divergência "envolveu a oposição à terceirização de forma geral manifestada no pacto".

Em 2009, a Marisa teve aumento de 7,4% da receita líquida que, projetada pelo alto consumo da classe C, saltou para R$ 1,5 bilhão. A empresa deve abrir 39 novas unidades em 2010. A rede está investindo pesado nas vendas pela internet. E apesar de todos os problemas apontados pela fiscalização, a reportagem registrou (veja foto acima) exemplares da mesma blusa fabricada pelos imigrantes latino-americanos submetidos à escravidão sendo vendidos, nesta terça-feira (16), em loja da Marisa na capital paulista.

Consultas feitas pelos auditores ao Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) permitem inferir que as outras seis oficinas de costura (cinco delas também pertencentes a bolivianos) que fabricavam a mesma blusa para a Dranys/Gerson de Almeida/Elle Sete não proporcionavam condições de trabalho muito superiores às encontradas na CSV.

Todas elas jamais tiveram movimentação de empregados, o que, segundo os auditores, denota "a imensa informalidade e precariedade das condições de trabalho nesses locais". Um dos proprietários dessas oficinas se superou: "emprestou" o Cadastro de Pessoa Física (CPF) de uma outra pessoa no preenchimento de nota emitida para as intermediárias.

*O jornalista da Repórter Brasil acompanhou a fiscalização da SRTE/SP como parte dos compromissos assumidos no Pacto Contra a Precarização e pelo Emprego e Trabalho Decentes em São Paulo - Cadeia Produtiva das Confecções

sexta-feira, 19 de março de 2010

Professores realizam ato na Paulista e continuam em greve

De acordo com Maria Izabel Noronha, a Bebel, presidenta da Apeoesp, hoje a adesão chegou a 85% da categoria. Com a continuidade da paralisação, a próxima assembleia estadual dos professores da rede pública será realizada na próxima sexta-feira, em frente ao Palácio dos Bandeirantes. O ato ocorrerá nos prováveis últimos dias em que José Serra (PSDB) fica à frente do governo paulista. No início de abril ele deve deixar o cargo para o vice Alberto Goldman, para concorrer à presidência da República. 

A greve de professores da rede pública do estado de São Paulo, que já dura 14 dias, continuará na próxima semana, conforme indicado na assembleia realizada hoje pela categoria, no vão livre do MASP. A manifestação teve início às 14h e termina no fim da tarde, com uma caminhada até a Praça da República. Os professores, que bloquearam os dois sentidos da Av. Paulista no quarteirão do Parque Trianon, somam, segundo a Polícia Militar, 8 mil. Sindicalistas afirmam, porém, que há mais de 30 mil professores no ato. Um efetivo de 300 policiais foi deslocado para acompanhar o ato, além dos presentes nas redondezas da avenida. 

O governador encerra seu mandato, segundo os manifestantes, com uma "contribuição" para a categoria dos professores: "ele foi capaz de gerar uma grande mobilização contra ele próprio", avalia o deputado estadual Roberto Felício (PT). O discurso irônico era partilhado por muitos. "Foi ele (Serra) quem dirigiu a greve", afirma José Maria Cancelliero, presidente do Centro de Professorado Paulista (CPP). Segundo ele, a falta de abertura ao diálogo tem feito mais professores aderirem à mobilização. 

Serra tem afirmado à imprensa que a greve dos professores é uma tática para fragilizar seu governo justamente em seus últimos dias de mandato e classificou os protestos dos professores como "trololó". "Não tem greve. Só tem marketing para a imprensa noticiar", afirmou à imprensa. Bebel, porém, afirma que todo mês de março é a data-base (período de negociação dos contratos coletivos de trabalho) dos professores da rede pública e que "o que fragiliza o governo estadual é o não atendimento das reivindicações". 

Entre as principais reivindicações da greve estão o reajuste salarial de 34,4%, a incorporação das gratificações ao salário, extensivas aos aposentados e o fim da medida que obriga o professor a realizar provas para continuar trabalhando. No ano passado, a Assembleia Legislativa aprovou a lei complementar 1093/09 que obriga todos os professores da rede pública a realizarem um provão para que o estado identifique que professores poderiam continuar dando aulas e quais não poderiam. 

"A prova é muito difícil, muito teórica. Não tem a ver com a nossa prática", reclama o professor João Aparecido Minto, que dá aulas de História na Zona Leste da capital e participou do ato. "E as diretorias de ensino não dão orientação para as avaliações de professores", completa. Minto dá aula para salas com mais de 40 alunos e acredita que a qualidade do ensino melhoraria se a sala fosse menos numerosa. "Nos últimos anos, a qualidade de ensino vem caindo muito". "Não conseguimos fazer acompanhamento dos alunos", reclama. 

Além das condições de trabalho, os professores também reclamam da falta de valorização da profissão. "Meu tíquete refeição é de 4 reais. Eu até recebo gratificação, mas ela não vai ser contada para o cálculo da aposentadoria", protesta a professora Maria Santana, que veio de Mauá para participar da manifestação.

Investimentos

O governo estadual, em contrapartida, afirma que tem feito investimentos  e colocado dois professores por sala de aula. A secretaria de educação divulga em seu site que em 2009 o investimento em educação pública  chegou a R$ 19 bilhões, um aumento de R$ 5,3 em comparação a 2008.

Um dos programas mais propagandeados pelo governo é o de implementação de dois professores por sala. No entanto, os docentes afirmam que isso não é verdade. "É mentira que há dois professores por sala de aula; um é estagiário, com responsabilidade de professor", diz o deputado Felício.

Conforme apurado pela Fórum, em algumas escolas da capital paulista nem estagiário há por sala, apenas um professor. Em outras escolas, como a Rodrigues Alves, localizada em região nobre da cidade, a coordenação afirma que no ano passado já havia dois professores por sala e para este ano espera receber o segundo professor a partir de abril.

Relação com governo

Deputados estaduais que apoiam a greve marcaram para a próxima terça-feira, 23, uma audiência pública na Assembleia Legislativa com a participação de professores e da secretaria de Educação do Estado. No entanto, a proposta dos sindicatos era realizar uma audiência com a comissão salarial do governo para discutir os salários de outras categorias de funcionários públicos. 

Na última quarta-feira, 17, o secretário de educação Paulo Renato Souza, confirmou que orientou os diretores regionais a substituírem os professores que aderiram à greve, que terão falta computada e correm risco de sofrer processos administrativos da Corregedoria do Estado. Os professores esperam resolver o impasse na terça-feira.

Camila Souza Ramos

quinta-feira, 18 de março de 2010

Ocupação na USP por melhores condições de moradia estudantil

Nesta madrugada, moradores do CRUSP e estudantes que ficaram sem alojamento no início do ano ocuparam o térreo do bloco G. Este bloco era originalmente destinado à moradia, mas vem sendo usado pela Coordenadoria de Assistência Social - COSEAS. O movimento fez uma carta apresentando as motivações e reivindicações, abaixo na íntegra.

O alojamento (moradia) é parte das políticas de permanência estudantil que as USP deve garantir enquanto um direito do estudante. Essas políticas devem estar baseadas nas reais demandas e devem contar com ampla participação estudantil. Em outros campi da USP ocorrem processos parecidos, em que existe um forte autoritarismo e falta de democracia no processo seletivo e na gestão das moradias, sendo que muitos estudantes que precisam acabam sem ter garantidos os seus direitos.

O DCE da USP, por meio de sua gestão, é solidário à luta travada pelos estudantes que ocupam a COSEAS, por isso, está procurando formas de colaborar com o movimento e reafirma o compromisso de pautar as reivindicações de garantia do direito à permanência estudantil e da gestão democrática e autônoma das moradias na USP.

Manifesto dos ocupantes da COSEAS:

"Diante da falta de vagas na moradia que deixou neste ano de 2010 mais de cem inscritos para alojamento emergencial sem um teto e sem condições materiais p/estudar;

Diante do atraso da reitoria na conclusão da obra do novo bloco da moradia que, segundo acordo, deveria estar pronto no início de 2009;

Diante das expulsões arbitrárias (despejo) de estudantes moradores do CRUSP sem aviso prévio, sem direito de defesa e durante a madrugada, chegando ao ponto de barrar o acesso dos despejados a qualquer um dos blocos da moradia;

Diante do fim do Programa Bolsa Trabalho, que deixou muitos estudantes de baixa renda sem condições de concluir seus cursos sem apoio financeiro;

Diante das irregularidades constatadas no processo de “seleçãosócio-econômica” , realizadas pela Coordenadoria de Assistência Social da USP p/ concessão de bolsas;

Diante da tentativa de privatização do espaço da moradia cedido pela USP ao banco Santander sem consentimento dos estudantes e moradores do CRUSP;

Diante das péssimas condições a que são submetidos os trabalhadores dos restaurantes universitários administrados pela Coordenadoria de Assistência Social da USP e, principalmente dos restaurantes terceirizados por meio deste orgão e da reitoria desta universidade;

Considerando que a Coseas tem demonstrado por meio de suas políticas e provado, por meio de documentos (guardados a sete chaves), estar a serviço da vigilância e violência contra os moradores, por meio da elaboração de relatórios invasivos sobre a vida particular (práticas tipicas da ditadura militar);

Considerando, ainda, que a função de promover políticas de permanência estudantil não tem sido cumprida pela COSEAS, ao contrário, este órgão, a serviço da reitoria da USP, tem trabalhado sempre no sentido de dificultar o acesso do estudante aos programas de permanência;

Considerando que permanência estudantil e um direito!;

Nós, estudantes, moradores do CRUSP e candidatos sem vaga na moradia, resolvemos ocupar o espaço do térreo do bloco G, que originalmente era nosso mas estava sendo utilizado pela Coordenadoria de Assistência Social.

Retomamos o espaço, queremos:

MAIS VAGAS NA MORADIA!

TRANSPARÊNCIA NOS PROCESSOS SELETIVOS PARA OS PROGRAMAS DE PERMANÊNCIA!

CONTRATAÇÃO DE MAIS FUNCIONÁRIOS E MELHORIA NAS CONDIÇÕES DESUMANAS DE TRABALHO E ATENDIMENTO NOS RESTAURANTES!

FIM DAS EXPULSÕES ARBITRÁRIAS DE ESTUDANTES DA MORADIA!

FIM DO SERVIÇO DE VIGILÂNCIA E DA PRÁTICA DE VIOLÊNCIA IRREGULAR DA COORDENADORIA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL!

AUTONOMIA DOS ESTUDANTES NO ESPAÇO DA MORADIA E NOS PROCESSOS SELETIVOS PARA OS PROGRAMAS DE PERMANÊNCIA!

CONCLUSÃO DAS OBRAS DO NOVO BLOCO DA MORADIA! "

terça-feira, 16 de março de 2010

Debate: Os direitos humanos 37 anos após a morte de Alexandre Vannucchi Leme

No dia 17 de março, completam-se 37 anos da morte de Alexandre, estudante da USP assassinado pelo governo militar que hoje nomeia nossa entidade.

O Diretório Central dos Estudantes da USP organizará, no dia 17 de março, às 18h30, no Auditório da FEA, UM DEBATE em homenagem a Alexandre Vanucchi Leme.

Este debate, além de homenagear Vannucchi Leme, atualizará a discussão sobre Direitos Humanos relacionando este tema com a periferia, com os movimentos sociais e com o próprio Movimento Estudantil.

Por isso, estão convidados para a mesa:

Marcelo Yuka (ex-membro da banda O Rappa)

Alípio Freire
(membro do Fórum dos Ex-presos e Perseguidos Políticos)

André Singer
(professor do Departamento de Ciência Política da USP)

O Ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria Especial de Direitos Humanos e primo de Alexandre participará da discussão e fará uma saudação.

Em memória dos estudantes da USP mortos pela ditadura, o melhor tributo que podemos prestar é a discussão sobre a atualidade da luta para qual eles dedicaram a vida e da qual somos herdeiros. O DCE da USP espera sua presença!
* No mesmo dia será lançada na FEA exposição em memória dos estudantes mortos pela ditadura militar. 

Governo pretende recuar de pontos do Plano Nacional dos Direitos Humanos

da Agência Brasil

O governo federal está aguardando a realização de audiências do Congresso Nacional para alterar o Decreto Presidencial 7.037, de dezembro de 2009, que instituiu a terceira edição do PNDH 3 (Programa Nacional de Direitos Humanos).

A primeira audiência será no Senado Federal, no dia 8 de abril, e terá como convidado o ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Vannuchi vai representar a chefe da Casa Civil, ministra Dilma Rousseff, inicialmente convocada pela oposição para comparecer à CCJ (Comissão de Constituição e Justiça).

Além da CCJ, a presença de Vannuchi atenderá também à demanda da Comissão de Relações Exteriores do Senado. Na Câmara dos Deputados, há outros cinco convites para a participação do ministro.

De acordo com Vannuchi, já é decisão do governo alterar três ações programáticas, de um total de 521, do PNDH 3. Serão retirados o apoio a projeto de lei que descriminalize o aborto e o impedimento à ostentação de símbolos religiosos, tais como crucifixos nas paredes, de prédios públicos. Além disso, será alterada a proposta de mediação de conflitos agrários, retirando a exigência de audiência prévia com os envolvidos antes de decisões judiciais como a reintegração de posse.

Os dois primeiros pontos atendem às reclamações da Igreja Católica e o último ponto foi alvo de críticas do CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) e do próprio Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

Além desses pontos, o PNDH 3 foi criticado por causa da sugestão de taxação de grandes fortunas (projeto de lei já rejeitado no Congresso Nacional); das propostas sobre união homoafetiva e adoção de crianças por famílias homoparentais (de homossexuais), também criticadas pela Igreja; e por causa da apuração dos crimes cometidos pelos serviços de repressão da ditadura militar (1964-1985).

A crítica quanto à apuração dos crimes da ditadura, feita pelo Ministério da Defesa, foi equalizada com o decreto presidencial editado em janeiro que, sem usar o termo "repressão", instituiu o grupo de trabalho que até o próximo mês elaborará um anteprojeto de lei para criação da Comissão Nacional de Verdade.

Além desses pontos, ainda há a reclamação de setores da mídia, que apontam, no PNDH 3, uma proposta de censura já que o plano prevê a elaboração de um ranking dos veículos de comunicação comprometidos com os direitos humanos e a suspensão de propaganda oficial em veículos que mantenham programas que atentem contra os direitos humanos.

Vannuchi, no entanto, não vê necessidade de alteração da proposta. "Não conseguimos nos convencer que haja a menor intenção de censura à imprensa", disse, lembrando que, por mais de uma vez, o presidente Lula defendeu ampla liberdade de imprensa.

Para o ministro, "foi interpretado como censura aquilo que é um chamamento à parceria". Segundo Vannuchi, a intenção é incentivar iniciativas como o Prêmio Vladimir Herzog, a Andi (Agência de Notícias dos Direitos da Infância) e a Câmara dos Deputados, com a campanha "Quem financia a baixaria é contra a cidadania".

Segundo a secretaria de Direitos Humanos, o processo de elaboração do PNDH levou dois anos e envolveu a participação de 14 mil pessoas. Para tratar da alteração do programa, Paulo Vannuchi se reuniu com os ministro da Saúde, José Gomes Temporão e do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel; com o ouvidor agrário nacional, Gercino José da silva Filho, com a secretária especial de Políticas para as Mulheres, Nilcéia Freire; com a CNBB (Confederação Nacional dos Bispos do Brasil) e com 11 organizações do movimento feminista. 

terça-feira, 2 de março de 2010

Ato por cotas na USP conquista audiência pública com reitoria

No dia 24 de fevereiro, data da Calourada Unificada do DCE e centros acadêmicos da USP, foi dado um importante passo na luta pela democratização do acesso à universidade. Um ato em frente à reitoria, trazendo a bandeira da luta por cotas, reivindicou e conquistou uma audiência pública sobre a pauta com a direção da universidade, a ser marcada em março.

O ato, encabeçado pela Rede Emancipa, movimento social de cursinhos populares, chegou a reunir cerca de 100 manifestantes. Além de secundaristas e alunos da Rede, contou também com a participação e o apoio de universitários, centros acadêmicos, alunos e professores de outros cursinhos pré-universitá rios, artistas, do DCE da USP e do deputado estadual Carlos Giannazi, autor da lei de cotas que atualmente tramita na ALESP (PL 208/2009).

Como destacou Maurício Costa, idealizador e professor da Rede Emancipa, o ato teve uma importância especial por serem raros os momentos em que um movimento social externo à USP organiza um ato lá e conquista sua reinvindicação. Para levar à cabo essa luta e torná-la vitoriosa, a aliança com os outros movimentos sociais da educação é essencial, principalmente com os demais cursinhos populares.

Brenda, aluna do cursinho Chico Mendes, do Emancipa de Itapevi, ressaltou que se não fosse a pressão do protesto, a reitoria não haveria recebido a comissão de negociação, que esperou mais de uma hora para ser atendida. No ato, Brenda e os outros 40 alunos do cursinho puxavam palavras de ordem reivindicando cotas e mais vagas na USP e contra a mercantilizaçã o da educação.

Através do ato, a Rede Emancipa levanta uma campanha por cotas na USP que terá suas fileiras cada vez mais engrossadas pelos estudantes de escola pública, pela população carente, pelos negros, indígenas, membros dos movimentos sociais, por todos os lutadores da educação, que seguirão protestando pelo seu direito universal à educação.

Esta iniciativa do dia 24/02 se repetirá até que as cotas sociais com recorte étnico-racial existam nas universidades paulistas, como um instrumento de inclusão imediata de setores historicamente marginalizados do acesso à educação superior pública e de qualidade.


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A última instância das cotas raciais

Políticas Sociais: O STF inicia a análise da ação do DEM contra a UnB

Rodrigo Martins - do site da Carta Capital

A reserva de vagas para estudantes negros foi adotada em universidades públicas há ao menos dez anos, mas somente agora o debate sobre a adoção do sistema de cotas chegará ao Supremo Tribunal Federal (STF). O ministro Ricardo Lewandowski convocou uma audiência pública sobre o tema entre os dias 3 e 5 de março. Trata-se do passo inicial do julgamento de uma ação movida pelo Partido Democratas (ex-PFL) contra a Universidade de Brasília (UnB), que reserva 20% das vagas abertas em seu vestibular para estudantes negros, independentemente da classe social a qual pertençam.

O resultado do julgamento, apostam especialistas, terá impacto sobre o sistema de seleção de todas as universidades públicas do País. Também pode acelerar ou contribuir para a derrocada das iniciativas parlamentares de criar um amplo sistema de cotas sociais e raciais nas universidades federais, uma discussão que patina no Congresso desde que as primeiras propostas do gênero foram adotadas por iniciativa das próprias instituições de ensino.

Para os defensores da medida, a esperança é que os ministros do STF tenham o mesmo entendimento que a maioria dos magistrados da primeira instância e dos tribunais de Justiça, que consolidaram nos últimos anos uma jurisprudência favorável às cotas em vários estados brasileiros. É o que revela um estudo recém-concluído pelo Laboratório de Políticas Públicas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). O estudo mostra que, em 2003, quando as universidades estaduais fluminenses adotaram o sistema de cotas, ao menos 400 mandados de segurança foram impetrados por alunos que perderam a vaga no ensino superior para alunos cotistas. Destes, 161 foram concedidos liminarmente pela Justiça. Mas, um a um, acabaram por terra.

Em novembro do ano passado, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro manifestou-se pelo mérito da questão: concluiu que as cotas eram constitucionais. “Com o tempo, todas as liminares foram cassadas e os estudantes pararam de contestar na Justiça o resultado do vestibular com base no ingresso dos alunos cotistas”, comenta o advogado Renato Ferreira, pesquisador da Uerj e responsável pelo estudo. “Este fenômeno não se restringe ao Rio. Ao adotar as cotas, a Universidade Federal do Paraná sofreu ao menos 140 ações do gênero. Hoje, os casos são raríssimos. O mesmo identificamos em Alagoas, na Bahia, em Santa Catarina, no Rio Grande do Sul. O Judiciário, tido como um poder conservador, está reconhecendo a legitimidade das políticas afirmativas.”

Até o fim de 2009, ao menos 93 universidades adotavam algum tipo de cota. Entre elas, as que usavam algum tipo de recorte racial chegavam a 67. A advogada Roberta Fragoso Kaufmann, autora da ação do DEM contra o sistema de cotas da UnB, esclarece que o partido não questiona a legitimidade da reserva de vagas a alunos egressos de escolas públicas ou para estudantes de baixa renda. “Não somos contra as cotas sociais. O que contestamos é a inclusão de critérios raciais, o que abre um precedente perigoso de criação de leis no Brasil baseados na diferenciação pela cor da pele.” Pupila de Gilmar Mendes, Roberta Kaufmann foi orientada pelo próprio presidente do STF no mestrado sobre a necessidade de políticas afirmativas no Brasil.

As cotas raciais encontram resistência mesmo entre representantes do Movimento Negro, como o advogado José Roberto Militão, integrante da Comissão de Assuntos Antidiscriminatórios da OAB-SP. “O Estado não deve legislar sobre o conceito de raça, porque, dessa forma, ele reconhece e outorga uma nova identidade jurídica, baseada na cor da pele, que viola a dignidade humana”, afirma. “As cotas legitimam a segregação racial. E, nessa esdrúxula hierarquia racial, os negros são vistos como inferiores, alvos prioritários da assistência. Isso é degradante, acaba com a autoestima dos jovens negros.”

Para Fábio Konder Comparato, professor aposentado da Universidade de São Paulo, o sistema de cotas é um passo necessário para começar a reparar séculos de exploração e marginalização da população negra. “Os pretos e pardos representam 70% da faixa dos 10% mais pobres. Os trabalhadores negros recebem, em média, a metade do salário dos brancos. Além disso, 58% da população branca tem acesso ao Ensino Médio, ao passo que a participação dos negros é de apenas 37%”, comenta. “Isso significa que estamos descumprindo a Constituição, porque ela prevê a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades. E o Estado tem feito muito pouco para reduzir o abismo social que separa os negros dos brancos.”

Segundo Comparato, é absurda a tese de que o sistema de cotas vai provocar ódio racial. “Justiça é tratar desiguais na medida da desigualdade. É por isso que a Constituição prevê, por exemplo, proteção às mulheres no mercado de trabalho. E ninguém diz que é uma Constituição sexista ou que promove a guerra dos sexos”, afirma. “Ainda se propagandeia essa falácia da democracia racial no Brasil, simplesmente porque o preconceito, aqui, é dissimulado, enrustido. Mas os dados que citei são de fontes oficiais. Isso é real.”

Na avaliação do frei franciscano David Santos, fundador e presidente da ONG Educafro, que oferece cursos preparatórios para negros ingressarem na universidade, as cotas são medidas emergenciais, que devem durar de 10 a 15 anos. “Seu objetivo é o de despertar a sociedade para que se abra e execute a igualdade material, saindo da igualdade formal, que é mentirosa e sempre beneficiou um único segmento da nação”, afirma. “É uma reparação com o nosso passado escravocrata e com a marginalização dos negros até hoje.”

O professor José Jorge de Carvalho, do Departamento de Antropologia da UnB, concorda com a avaliação. “Foi por entender que o racismo é crônico na sociedade brasileira e em todas as classes sociais que a UnB optou por oferecer cotas raciais. E, para comprovar o descompasso, basta observar alguns indicadores. Segundo o censo universitário de 2000, apenas 12% dos nossos alunos eram pretos ou pardos, apesar de os negros representarem mais da metade da população brasileira.” Mas por que cotas raciais, e não sociais? “Nesse mesmo ano identificamos 400 alunos que recebiam auxílio-moradia da universidade, justamente por não serem mais pobres. Sabe quantos eram negros? Apenas dez”, explica Carvalho.

segunda-feira, 1 de março de 2010

SP tem 13 mil moradores de rua, diz censo

Nova contagem, que será divulgada pela prefeitura, mostra que a capital ganhou 4.000 desabrigados em nove anos

Aumento no uso de drogas, falha em políticas sociais e desemprego são explicações, dizem especialistas; albergues têm cerca de 7.000 vagas

Da Folha de São Paulo

Novo censo feito no fim do ano passado e que será divulgado pela Prefeitura de São Paulo nos próximos dias mostra o que a maioria dos paulistanos já percebeu: é crescente o número de moradores de rua, cada vez mais espalhados por bairros onde a situação era incomum.
 
Os dados do recenseamento, que trará informações por bairro, idade e sexo, apontam que 13 mil vivem hoje nas ruas.
 
Para eles, há pouco mais de 7.000 vagas em albergues da prefeitura -eram 8.000, mas no ano passado uma unidade fechou. Conclusão: quase 6.000 não têm onde dormir. E, mesmo assim, sobram vagas.
 
Em 2000, quando foi feito o censo anterior pela Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), da USP, eram 8.706 pessoas nessa situação -3.693 em albergues. Ou seja, em nove anos, as ruas ganharam mais de 4.000 pessoas, um aumento de quase 50%.
 
No período, segundo dados da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano, a população da capital cresceu 5%.
 
Há várias explicações para isso, nenhuma delas completa: aumento do consumo de drogas -principalmente do crack- e álcool, desemprego e falha em políticas sociais.
 
Para Camila Giorgetti, doutora em sociologia pela PUC-SP e pelo Instituto de Estudos Políticos de Paris e pesquisadora do Observatório Europeu dos Sem-Teto, o fenômeno se deve principalmente à inadequação dos programas assistenciais.
 
Para ela, é preciso evitar que pessoas cheguem às ruas e garantir a volta rápida às famílias.
 
Um educador de rua -que, por questão de segurança, não será identificado- é taxativo: a culpa é da droga. No caso, do crack, que leva pessoas a abandonarem trabalho e família.
 
A Folha acompanhou o trabalho dele, a maior parte do tempo feito na cracolândia, no centro. Ele diz ser comum aparecer gente nova, na maior parte pessoas de até 30 anos.
 
O que confirma constatação do censo da Fipe: há mais jovens morando nas ruas. A isso também se atribui o crescimento da presença de usuários de drogas entre essa população. Mas a maioria deles ainda é mais velha, acima dos 40. E o álcool continua um problema.
 
Outra explicação para o fato é o desemprego. Por isso, na opinião de especialistas, o poder público precisa manter programas de qualificação profissional e geração de postos.
 
"É preciso ter projetos que possibilitem a saída natural da rua. Nas duas últimas gestões, só mantinham albergue e até fecharam vagas", diz Alderon Costa, coordenador da Rede Rua, que administra albergues.
 
A prefeitura informou que o fechamento do albergue ocorreu por falta de segurança para usuários e funcionários.
 
A política do governo, segundo Alda Marco Antonio, vice-prefeita e secretária de Assistência e Desenvolvimento Social, é "fortalecer as famílias para diminuir a entrada de pessoas na rua".
 
(EVANDRO SPINELLI, ANDRÉ CARAMANTE e LETÍCIA DE CASTRO)

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Suspensa a cassação de Kassab

Os advogados do prefeito Gilberto Kassab e da vice-prefeita Alda Marco Antonio, apresentaram na tarde desta segunda-feira (22) um recurso no TRE (Tribunal Regional Eleitoral). Ele contesta a decisão tomada pelo juiz da 1ª. Zona Eleitoral de São Paulo, Aloísio Silveira. O próprio juiz acatou agora o recurso, que dá ao prefeito condições de permanecer no cargo até o julgamento final do processo que pedia a cassação do seu mandato. Sem o recurso, o prefeito teria que deixar o cargo nesta terça-feira, quando fosse publicada a decisão do juiz no Diário Oficial.

Segundo a denúncia do promotor eleitoral Maurício Lopes, que havia originado o processo, Kassab teria recebido doações consideradas ilegais em sua campanha para a prefeitura, em 2008.

As doações somariam mais de R$ 10 milhões, vindas do Banco Itaú, de sete empreiteiras e da AIB (Associação Imobiliária Brasileira). Essa última seria uma fachada para encobrir o nome do SECOVI (o sindicato do setor imobiliário), pois a legislação eleitoral proíbe doações de sindicatos e entidades de classe.

Mesmo com o recurso acatado, o episódio arranha a imagem do prefeito, que tem enfrentado nos últimos meses uma significativa queda nos seus índices de popularidade.

O aumento do IPTU e das passagens de ônibus, as enchentes na cidade – entre outros motivos - trouxeram dissabores ao prefeito. Já seu partido, o DEM, continua às voltas com os estragos causados pelo escândalo envolvendo o Governo do Distrito Federal.

O gradativo enfraquecimento do DEM também é má notícia para o PSDB e seu virtual candidato à presidência da República, José Serra.

Porém, o mais importante a destacar no episódio é que permanece sem solução no País a questão do financiamento das campanhas eleitorais. Receber doações durante a campanha e retribuir com resultados de licitações públicas com cartas marcadas é a prática que assola o executivo de prefeituras, governos do estado e ministérios por esse Brasil afora. Hoje foi Kassab quem foi exposto por um juiz mais criterioso. Resta esperar o próximo.

Celso Marcondes